As correntes que quebrei – 01

Olá, eu me chamo Felipe e tenho 23 anos de idade. A minha história é algo ainda corrente, de modo que ela será dividida em algumas partes e com atualizações em tempo real, por assim dizer.

Desde cedo sou assombrado pelo fantasma da desilusão. Eu não consigo me lembrar de ter tido um amor que me fizesse flutuar ou sentir borboletas no estômago por muito tempo. Para muitos, a adolescência é uma fase de ouro, onde você se apaixona, erra, conserta, apanha, bate etc. Pra mim não. Pra mim foi um período de densas trevas. Por que?

Porque o meu pai era alcoólatra. Eu sempre fui o filho excluído dele. É certo que a minha mãe fez um serviço tão maravilhoso que estes impactos foram reduzidos a quase nada. Quase…

As frequentes surras do meu pai e as brigas dele com a minha mãe por conta do seu jeito fizeram com que eu me trancasse num mundo só meu. Impenetrável.

Era 2006 e meu pai foi diagnosticado com o seu primeiro câncer. Era no esôfago. Por vivermos no interior, a minha mãe foi obrigada a ‘se mudar’ com ele para a capital a fim de buscar tratamento adequado. Mas e eu? Bem, eu fiquei em casa praticamente sozinho. É verdade que uma amada tia cuidava de mim e a minha mãe voltava para casa sempre que possível, mas não era o suficiente.

Nesta época eu tinha cerca de 13 anos.

Pela minha cabeça passavam milhões de coisas, mas confesso que nunca fui de me lamentar, afinal, eu ainda tinha um lar.

A minha vida na escola era muito difícil. Sempre tive um jeito efeminado e estava acima do peso.

As chacotas eram cada vez mais frequentes e inevitavelmente o meu espírito se abatia.

Três meses se passaram até que o meus pais voltassem para casa. Eu me senti muito alegre por ter a minha mãe por perto…já o meu pai, bem, por mim tanto fazia.

Olhar a sua face me remetia a um lado sombrio e obscuro, aquele lado que quase 100% dos meninos homossexuais tentam reprimir do seu pai, o ser masculino de sua vida.

A busca pela sua aceitação, ainda que indireta, me corroía a alma. Era uma coisa que somente eu sentia.

Meu dias se resumiam a escola e casa. As minhas noites eram as mais agitadas. Era à noite que eu tentava me matar.

Ainda me lembro bem da primeira vez. Enfiei uma faca em meu peito. Sangrou, mas não causou nenhum mal. Não fisicamente.

A liberdade que a morte me traria enchia os meus olhos, mas não era o suficiente para tamanho ato.

Os anos que se seguiram criaram uma carapaça tão resistente que ninguém parecia ser capaz de a atravessar. E sabem, eu me sentia seguro em meu mundo.

As coisas na minha casa pareciam finalmente ter melhorado. A minha mãe e o meu pai adentraram em uma instituição Cristã e a mudança de convivência foi notável! Eles já não brigavam tanto e eu me senti impelido a seguir por este caminho. Em 2009 me tornei uma Testemunha de Jeová. Com todo o gás, passei a lutar arduamente contra meus desejos sexuais. Eu até era feliz, mas eu só sentia isso porque não sabia o que era felicidade de fato.

A pressão psicológica que sofri ali dentro era sutil, mas supressora ao extremo. Dentre quedas e levantamentos, seguia meu caminho.

No mesmo ano, meu pai foi diagnosticado com um novo câncer: de pulmão.

As coisas tornaram-se caóticas e em apenas uma semana, a sua vida se esvaiu.

Após a descoberta, cerca de 5 dias depois, ele entrou em coma. Não fui visitá-lo. Não senti vontade. Sob muitas críticas, me mantive forte em minha decisão. Exatamente uma semana depois, ele faleceu de parada cardiorrespiratória.

Bem, secretamente, me senti aliviado de certa forma, embora jamais desejasse que ele morresse!

Na semana seguinte, confidenciei a minha mãe sobre a minha orientação sexual.

Sob muito choro, da parte dela, passei a ter o seu olhar mais atento. Confesso que me sentia sufocado. Ainda mais do que já era…

O meu pai fez falta no sentido financeiro. Neste período, passamos a viver sob o mesmo teto da minha avó. A casa era cheia. Foram momentos difíceis, mas agradeço muito pelo fato de termos tido para onde ir.

A sensação de vazio era crescente… A noite passou a ser a minha válvula de escape. Eu aproveitava o máximo que pudia e ‘extravasei’ meus desejos sexuais e emocionais. Inevitavelmente me apaixonei. Era um homem bem mais velho que eu…tinha cerca de 29 anos na época.

Sabem aquela carapaça? Pois bem, ele a quebrou, mas a quebrou para me dar o seu golpe de misericórdia: foi com ele a minha primeira grande desilusão amorosa.

Namoramos exatamente um mês. Fui traído, esnobado e leiloado.

Já lhes explico…

Com uma semana de namoro, ele me confessou uma traição. Segundo ele, o desejo carnal falou mais alto e, como eu era virgem, ele precisava extravasar com alguém. Esse alguém? Seu ex namorado.

Como todo apaixonado, perdoei.

Conheci a sua turma. Nossa! Foi fantástico. Me senti importante…

Como toda ‘carne nova’, todos me cobiçaram. Ao saberem que eu era virgem, armaram para que quem oferecesse o maior valor por mim, tivesse a ‘honra’ de tirar a minha virgindade. Me senti deflorado em minha alma. Imediatamente me afastei daquelas pessoas. Por sorte não conseguiram concretizar os seus planos.

Ao conversar com meu ex sobre isso, ele me disse que já sabia. Fiquei arrasado e sem rumo. Me perguntava se eu merecia aquilo… e acho que no fundo mereci. ‘Todo inocente tem sua parcela de culpa’.

Quando o questionei, ele apenas disse-me que fez aquilo por fazer e que no fundo eu sabia que ele amava o seu ex e que eu era só um brinquedo.

Arrasado, voltei a me trancar em meu universo medíocre…mas secretamente pedia que alguém me tirasse daquela prisão.

E minhas preces foram atendidas algum tempo depois.

Continua…